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Qualquer idiota consegue fazer funk, pop e rap, diz o maestro Julio Medaglia

O telefone toca nos estúdios da TV Cultura em São Paulo. Quem atende é o maestro Julio Medaglia, de 86 anos. "Ih, deve ser da Filarmônica de Berlim", diz um dos músicos ali presentes, para a gargalhada dos cinegrafistas.

Bem que poderia ter sido verdade. Medaglia já esteve à frente da melhor orquestra do mundo, mas preferiu firmar um compromisso com as vanguardas do Brasil.

Ele esteve no grupo Música Viva, na poesia concreta, no cinema marginal e teve um papel decisivo na fundação da tropicália. Também compôs mais de cem trilhas sonoras para filmes, peças e novelas e foi um dos organizadores dos Festivais da Record. Conhecido pela verve polêmica, ele afirma que a disseminação de festivais, depois dos anos pandêmicos, não agregou nada ao cenário da música brasileira. O maestro, que prepara a autobiografia "Vim, Vi e Regi", sente falta de um espírito de invenção.

"Esses Lollapalooza da vida dão uma música enérgica, cheia de parafernália e gelo seco, para excitar a juventude. É uma música pré-inteligente, é tudo pancadaria, uma pauleira. É sucesso comercial, de uma gente que não tem uma linguagem diferenciada ou propostas de ideias", diz ele. "Funk, rap e pop são coisas democráticas, porque qualquer idiota pode ficar fazendo isso aí."

Nem o megashow de Madonna, que aconteceu em maio na praia de Copacabana, escapa ao olhar crítico do maestro. "Aquilo ali não é música, é só show. A Madonna até abaixou o rabo para a aquela outra cantora, Pabllo Vittar, lamber a bunda dela", afirma Medaglia, com suas sobrancelhas franzidas e o "r", de "rabo", vibrado ao modo dos italianos. Naquela manhã, o maestro regera o último ensaio antes da final do Prelúdio, que acontece neste domingo, no Teatro Cultura Artística.

Criado pelo próprio maestro, o programa está prestes a completar 20 anos no ar, na grade da TV Cultura. Desde o início do ano, a principal emissora pública do país, controlada pela Fundação Padre Anchieta, vive uma crise, com as tentativas de intervenção do governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos), além de relatos de demissões e cortes de gastos.

Tanta crise não preocupa o maestro, que exalta os patrocinadores. Segundo ele, não houve nenhum aviso sobre uma possível diminuição de verbas para a atração. "A Cultura é uma emissora pública, mas não é de funcionários públicos", conta ele. "Não é uma emissora usada como relações públicas do governo."

De todo modo, o Prelúdio se tornou um dos principais meios de revelação de talentos para a música de concerto do país. Dele, já participaram o sopranista Bruno Sá e o pianista Cristian Budu, considerado o sucessor de Nelson Freire. Todos os anos a produção recebe milhares de inscrições, vindas de diferentes regiões do país.

A cada episódio, apresentado pela jornalista Roberta Martinelli, os 16 artistas selecionados competem entre si, num esquema eliminatório. Os concorrentes escolhem o repertório, interpretado pela orquestra do programa e acompanhado, no teatro, pelos jurados e pela plateia.

Como de hábito, chegam agora à final quatro músicos. Neste ano, o trompista Rafael Xavier executa o "Concerto para Trompa nº1", de Richard Strauss, o clarinetista Daniel Bressan interpreta o "Concerto para Clarinete", de Mozart, a soprano Pollyana Santana canta "Una Voce poco fa", ária da ópera "O Barbeiro de Sevilha", de Rossini, e Estevão Gomes toca o "Concerto para Piano nº5", de Camille Saint-Saëns.

Como o tempo da música de concerto difere da efemeridade da televisão, as apresentações dos candidatos se limitam a um movimento específico das obras dos compositores.

O vencedor leva uma bolsa para estudar na Academia Franz Lizst, uma das melhores escolas de música do mundo, que fica em Budapeste, na Hungria.




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