GOVERNO DILMA GASTA 3,5 MI E DEFAZ ALERTA
"É devastador".
É assim que a ambientalista Natalie Unterstell descreve como se sente desde que ficou claro que as inundações no Rio Grande do Sul atingiram níveis trágicos.
As chuvas intensas afetam mais de 2,2 milhão de pessoas no Estado.
Desde que a situação no Sul do país passou a chamar atenção do Brasil e do mundo, ambientalistas vêm associando a tragédia às mudanças climáticas. Mas Unterstell tem um motivo a mais para se lamentar.
O programa "Brasil 2040" custou, à época, R$ 3,5 milhões.
Os modelos matemáticos usados pelo estudo projetaram um cenário climático muito semelhante ao que se vê no Brasil quase 10 anos depois: escassez de chuvas na região Norte e chuvas acima do normal no Sul do país.
Apesar disso, o programa foi abruptamente encerrado em 2015. Era, segundo Unterstell, algo como o embrião de uma política pública para a adaptação climática do país.
Após a publicação da reportagem, a assessoria de imprensa da ex-presidente Dilma Rousseff enviou uma nota refutando que o plano tenha sido "engavetado".
"Tal informação não procede e ignora a tramitação do estudo, que resultou na política do governo brasileiro para o enfrentamento das mudanças climáticas", afirmou.
A nota aponta que os estudos do "Brasil 2040" foram incorporados ao compromisso assumido pelo governo brasileiro no Acordo de Paris, em dezembro de 2015, e ao Plano Nacional de Adaptação para Mudança Climática (PNA), publicado em 2016.
A BBC News Brasil enviou questionamentos ao Palácio do Planalto, ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), e à Casa Civil sobre o fim do programa. Em nota, o MMA disse que pretende atualizar o "Brasil 2040" (leia mais sobre a resposta da pasta abaixo).
De acordo com especialistas, apesar de o Brasil contar com o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima desde 2016, o documento nunca teria saído do papel.
O programa engavetado
O ano era 2013.
À época, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) alertava: em sua estimativa mais pessimista, até 2100 a temperatura do planeta subiria até 5°C, causando mudanças significativas no clima do planeta e obrigando os países a implementarem medidas de adaptação aos efeitos das mudanças climáticas.
Foi quando o governo federal determinou a elaboração de estudos regionalizados sobre os efeitos das mudanças climáticas no Brasil e sobre que medidas poderiam ser tomadas para adaptar o país a essa nova realidade.
Ao todo, foram criados sete grupos de estudos com diferentes temas. Um deles, batizado de "Brasil 2040", foi no qual Natalie Unterstell atuou. O nome se refere ao ano de 2040, um dos horizontes com os quais os estudiosos trabalhavam.
"Era um programa de estudos que tinha como objetivo a formulação de uma política pública de adaptação [às mudanças climáticas]", conta Unterstell à BBC News Brasil.
la atuou como uma das coordenadoras do programa.
A cientista também falou sobre o programa no podcast "Tempo Quente", produzido pela jornalista Giovana Girardi para a Rádio Novelo, em 2022.
"Eram sete times dos melhores pesquisadores brasileiros… do IME (Instituto Militar do Exército) ao ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica), ao Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais)", detalha a ambientalista, que hoje preside o Instituto Talanoa (organização sem fins lucrativos focada na implementação de políticas públicas na área ambiental).
O programa foi encomendado pela hoje extinta Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), que era vinculada à Presidência da República. À época, a secretaria era comandada pelo economista Marcelo Neri.
Unterstell conta que os estudos usavam modelos climatológicos para estimar os possíveis impactos das mudanças climáticas em diversas áreas da economia e da sociedade brasileira, como a agricultura, infraestrutura urbana, transportes, recursos hídricos, entre outras.
Ela diz que os estudos já haviam passado da fase de diagnóstico e se encaminhavam para a etapa em que seriam feitas as recomendações para adaptação — quando o programa foi interrompido.
A interrupção do programa aconteceu durante a troca de comando da SAE. Saiu Marcelo Neri e entrou o professor da Universidade de Harvard Mangabeira Unger.
Untersell diz que não recebeu nenhuma explicação oficial sobre o fim do programa, mas relaciona o fato às conclusões preliminares. Segundo ela, os dados questionavam a viabilidade de hidrelétricas.
"Os resultados dos estudos colocavam em xeque a viabilidade de hidrelétricas na região Norte como, por exemplo, a de Belo Monte [no Pará], dado que a modelagem e a avaliação de impactos sobre água e energia projetaram uma redução significativa das vazões dos rios da região. Isso assustou", diz.
A BBC News Brasil tentou contato com Marcelo Neri e com Mangabeira Unger.
Neri disse que o episódio aconteceu há muito tempo e que não poderia atender a reportagem.
Por meio de mensagens de texto, Unger respondeu que não teria tratado do programa e tampouco teria desativado. Suas respostas iniciais, no entanto, mencionavam um suposto programa ocorrido antes, durante sua passagem no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Depois, questionado em detalhes sobre sua participação no programa "Brasil 2040", executado entre 2013 e 2015, ele respondeu: "Isso é outra coisa. Não era clima. Era o projeto de desenvolvimento de longo prazo."