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FOLCLÓRE GAÚCHO - NEGRINHO DO PASTOREIO

No tempo em que as fazendas tinham escravos, que fizeram as taipas de pedra que a gente ainda vê no campo, havia um estancieiro muito, mas muito mau. Ele só dava valor para a sua prataria e para a sua tropilha de cavalos. E tinha um chamego especial por um baio, que era seu animal de confiança para as carreiras.

Fora isso, não dava pousada para viajante, não emprestava cavalo a ninguém, não dava uma cuia de água. E era dono de um negrinho, que ele chamava de Negrinho, porque nem nome de batismo tinha dado para o infeliz. O guri era obrigado a fazer todas as vontades do patrão, desde aviar o mate até acender o pito dele com um tição. E aguentar muito puxão de orelhas.

Um
dia, esse estancieiro atou carreira com um vizinho. Confiava tanto no baio que apostou mil onças de ouro, uma fortuna. E botou o Negrinho de ginete, porque o menino era bom na rédea. Mas o baio perdeu, e lá se foram as mil onças de ouro. O estancieiro chegou em casa e mandou amarrar o Negrinho num palanque e dar nele uma surra de relho. Depois botou o Negrinho, de noite, a cuidar da tropilha dos trinta tordilhos negros e do baio amarrado numa estaca.

O coitado do Negrinho pegou no sono, e quando acordou tinham sumido os tordilhos e o baio. Contam que foi o filho do estancieiro quem espantou os animais. Mas o estancieiro não quis saber de conversa. Mandou amarrar de novo o Negrinho no palanque e dar-lhe uma surra de relho, até que ele parasse de chorar.O menino só gritava pela madrinha Nossa Senhora, até que parou mesmo de chorar.

Deram o Negrinho por morto. O estancieiro mandou jogar o corpo num formigueiro, para as formigas terminarem o serviço, como ele disse. Quando amanheceu o dia, foram ver o formigueiro, e nada do Negrinho. A tropilha e o baio tinham sumido também. O estancieiro mandou a peonada bater o campo léguas e léguas, e nem rastro dos cavalos.

Voltaram para casa e viram o Negrinho de pé no formigueiro, sacudindo as formigas, e o baio do lado dele, mais os trinta tordilhos. E assim como ele apareceu também sumiu de novo com o baio e a tropilha.

Dizem que até hoje ele vive troteando campo afora, montado no baio e tropeando os tordilhos. E se alguém perde alguma coisa é só acender uma vela para o Negrinho e rezar para a sua madrinha Nossa Senhora, repetindo: "Foi por aí que perdi, foi por aí que perdi, foi por aí que perdi". Se o Negrinho não achar, ninguém mais acha.

E se fosse hoje?

O menino nasceu numa casa muito pobre. Muitas noites ia dormir com fome e com frio, como se tivesse formigas correndo pelo corpo. Um dia a mãe o levou pelo braço até a escola, onde encontrou meninos como ele. Não eram bem como ele, não tinham a pele de cor escura, como ele. E o chamavam de Negrinho.

Lá descobriu os livros e afundou neles. Na escola, tirava sempre as melhores notas. Uma noite chegou a sonhar que estava num formigueiro, que nem o Negrinho do Pastoreio da história que tinha lido. Olhou para o lado e viu um cavalo baio. Atrás dele trinta tordilhos, todos carregados de livros. Cada livro que abria, no sonho, soltava uma luz que o iluminava.

Quando acordou, decidiu que ia ser um Negrinho do Pastoreio. Ele ia montar no baio e seguir, não campo a fora, mas livros afora, até encontrar o seu lugar na vida. Foi assim que ele se tornou um vencedor, o Negrinho.

Essa história é contada por Simões Lopes Neto em Lendas do Sul e por Clarice Lispector em Como Nascem as Estrelas.

Fonte: Pioneiro.




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