E se for tudo mentira?
Numa indústria totalmente submetida à lei da oferta e da procura, como o audiovisual, um dos produtos mais vendidos hoje é o que promete contar "uma história real". O interesse do público por séries, filmes ou podcasts que trazem esse selo não dá sinais de diminuir. Ao contrário. É uma onda em alta.
Tão em alta que a própria indústria já está rindo, com o sucesso, de si mesma. A série "Only Murders in the Building" (Star+), lançada em 2021, foi a primeira a fazer piada com a mania americana pelos podcasts de "true crime". A quarta temporada tem previsão de estreia em agosto.
Esta semana, chegou por aqui "Baseado em uma História Real" (Globoplay), outra série que ri dessa mesma obsessão. Sem a sofisticação do programa protagonizado por Steve Martin, Martin Short e Selena Gomez, a nova série conta a história de um casal falido que decide produzir um podcast sobre um serial killer com a ajuda do próprio criminoso.
Protagonizada por Kaley Cuoco (a musa de "The Big Bang Theory"), a série tripudia sobre a ideia de que o selo "baseado em uma história real", de fato, é um atestado de autenticidade que confere um valor a mais às produções ficcionais.
Matt, o dublê de encanador e serial killer, vivido por Tom Bateman, reclama a certa altura que a edição do podcast não está fazendo justiça ao seu talento como assassino: "Não parece autêntico. Não parece real. Tenho que proteger a minha marca".
Grande sucesso do mês passado, "Bebê Rena" (Netflix) deve muito da sua repercussão ao compromisso anunciado logo na abertura. Não é uma série "baseada" ou "inspirada" em fatos reais. A promessa de Richard Gadd, autor e protagonista da trama, é mais enfática: "Esta é uma história verdadeira".
No papel de Donny, Gadd relata ter vivido duas histórias dramáticas tipificadas como crimes, o assédio e perseguição praticados por Martha, uma mulher apaixonada, e o abuso sexual cometido por um homem chamado Darrien.
Uma semana após o lançamento, aparentemente assustado, Gadd pediu aos fãs que parassem de "investigar" quem seriam os verdadeiros autores dos crimes. Na semana passada, Fiona Harvey, a suposta "Martha da vida real", como foi apresentada, deu uma entrevista negando que tenha perseguido Gadd. Segundo ela, a caracterização da personagem na série prejudicou a sua vida.
A história contada em "Bebê Rena", o pedido de Gadd, a entrevista de Fiona: e se for tudo baseado em fatos irreais? Não seria mais interessante?
Ryan Murphy, na recém-lançada "Capote vs the Swans" (Star+), lidou melhor com essa situação. Baseada em um livro, "Capote´s Women", de Laurence Leamer, que promete contar "uma história verdadeira de amor e traição", a sua série toma várias liberdades e encena inúmeras situações totalmente ficcionais.
"Capote vs the Swans" chegou à TV americana no final de janeiro. Ao longo dos meses seguintes, cada episódio lançado foi submetido a uma espécie de "detector de mentiras" pela imprensa especializada em chiques e famosos.
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