Como cidades se inspiram na natureza para evitar desastres
Diante da catástrofe ambiental causada pelas chuvas no Rio Grande do Sul e da crescente frequência de eventos climáticos extremos, as cidades precisam encontrar formas de prevenir ou mitigar os efeitos dessas tragédias. Algumas das soluções mais promissoras vêm da própria natureza.
As Soluções Baseadas na Natureza (SbN) são iniciativas de bioengenharia que utilizam princípios e processos inspirados nos ecossistemas naturais para enfrentar desafios socioambientais. Projetos como jardins de chuva, parques lineares e restauração de encostas mimetizam a natureza, ajudando a tornar as cidades mais resilientes. No entanto, é importante enfatizar que essas soluções visam minimizar, e não eliminar, os impactos de eventos climáticos extremos, que se tornarão mais frequentes devido ao aquecimento global.
“As cidades cresceram desordenadamente, ignorando as bacias hidrográficas. As SbN podem ajudar, mas sua essência está em promover uma mudança de mentalidade para evitar que o problema surja”, explica Fábio Lofrano, professor de Engenharia Hidráulica e Ambiental da USP.
Mesmo em condições climáticas favoráveis, as SbN oferecem benefícios variados, como a redução do calor extremo e a promoção da biodiversidade, conforme ressalta Henrique Evers, gerente de Desenvolvimento Urbano do WRI Brasil.
Um exemplo de SbN são os jardins de chuva, que são projetados para absorver parte das águas pluviais, reduzindo o escoamento superficial e o risco de inundações. Essa solução simples e de fácil manutenção pode absorver até 30% mais água do que um gramado comum, de acordo com o Observatório de Inovação para Cidades Sustentáveis (OICS).
Em São Paulo, já existem 337 jardins de chuva, principalmente na região central. Eles são implementados conforme o nível de risco de enchentes em cada área mapeada, como explica Luiz Jamil Akel, assessor da Secretaria Adjunta das Subprefeituras.
Entretanto, é fundamental que essas soluções estejam integradas a outras medidas para serem eficazes. “Um jardim de chuva pode ajudar a reduzir alagamentos, mas enfrentar eventos extremos exige uma abordagem sistêmica”, afirma Henrique Evers.
Além dos jardins de chuva, os parques lineares são outra SbN importante. Esses espaços combinam infraestrutura natural e convencional para gerenciar águas pluviais, proteger a biodiversidade e oferecer áreas de lazer. Em Belo Horizonte, por exemplo, o Parque Nossa Senhora da Piedade contribui para a recuperação ambiental e a despoluição de córregos.
As SbN não se restringem à gestão pública; elas podem ser aplicadas em propriedades privadas, como explica a pesquisadora Maria Cristina Santana Pereira. Jardins de chuva podem ser instalados em condomínios, contribuindo para uma rede urbana de biorretenção.
É importante destacar que o conhecimento tradicional, como o das comunidades indígenas e quilombolas, também desempenha um papel crucial na implementação dessas soluções, oferecendo insights valiosos sobre as espécies locais, como ressalta Fábio Lofrano.
Embora as SbN ainda sejam um conceito novo para muitas cidades, iniciativas como as da Prefeitura de Campinas e de Niterói mostram que é possível avançar. Em Niterói, por exemplo, o Parque Orla Piratininga (POP) é um projeto que integra SbN e visa a gestão sustentável da água, recebendo reconhecimento internacional.
O OICS também destaca outras SbN, como telhados verdes, que melhoram o conforto térmico e retêm águas pluviais, e praças úmidas, que promovem a permeabilidade do solo e ajudam a mitigar os impactos das chuvas em áreas urbanas densamente povoadas. Essas soluções inspiradas na natureza são uma resposta eficaz e sustentável aos desafios climáticos que as cidades enfrentam.
Fonte: Estadão